Entre o riso e o pranto

em quarta-feira, outubro 28, 2009
Como a maioria dos homens, vivo entre o riso e o pranto. Entre a grama enluarada e os cimentos quentes, insípidos, insensíveis. Entre o sonho e o pesadelo. Entre o riso e o pranto, vivo as manhãs com todas as cores da alvorada e as tristezas do crepúsculo. Sou riso na profusão do luar e tempestade de prantos nas noites escuras.

Sou riso quando sou presente. Sou pranto quando viro saudades. Vivo, como todos os homens, no limite da felicidade e da tristeza. Ando pela beira dos abismos quando sou passado. Viajo num floco jaspeado de nuvens quando sou eternidade.

Sou pranto jorrado quando me seca a fonte da fé. Sou mar calmo quando recebo sinais de anjos dourados. Sou vida quando sou amor. Sou dor incurável quando sou solidão.

Vivo como a maioria da humanidade, sou braço forte quando sou enseada, sou coração náufrago quando sou oceano revolto. Sou a pele macia da calma quando sou esperança. Sou espinho que risca a carne quando é miragem o amanhã. Sou pássaro de plumagem celeste quando sou vento que canta. Sou ave faminta quando a convicção vacila, se acaba e viro ilha, que oscila indiferente entre a explosão da onda e a árvore que desaba.

Sou como a maioria dos homens. Sou farsa quando tento enganar o coração. Sou luz ardente quando confesso a alma. Sou hipocrisia quando digo que sou dor curada. Sou santo quando confesso minha fraqueza. Vivo, como a maioria, na corda bamba da vida. Sou norte quando sou maré cheia, sou barco sem rumo quando sou maré vazante.

Sou campeador audaz no meio da tarde, sou terra caída no meio da noite. Sou como a maioria dos homens. Sou a mentira de todas as promessas quando digo que entendo dos segredos divinos. Dos mistérios da vida. Sou visão distorcida, quando preciso enxergar muito além do olhar.

Sou como todos os homens comuns. Sou alegria quando sou face acariciando beijos. Sou tristeza quando o tempo me engana com suas tentativas inúteis de ser borracha infalível. Sou festa de varar a manhã quando a alma renovada tatua suas paredes com o renascer de uma esperança. Sou o maior dos erros quando meus lábios não cantam orações.

Sou como todos os homens felizes, quando estendo minha mão para atender mãos que pedem. Sou olhos brilhantes quando alimento de esperanças olhares suplicantes. Sou vida que prossegue, passos que aceleram, quando liberto estômagos escravos da fome. Sou a cor da alvorada, sou a estrada dos arco-íris, sou gente, sou o caminho das estrelas quando sou a piedade pública que anima uma criança indigente.

Sou como todos os pais que perderam um filho, quando tiro meus pensamentos do ventre da terra, quando saio do mundo rés ao chão e contemplo a vida que passa na liberdade dos pássaros, quando abraço minhas filhas, felizes, encantadas, vibrantes. Sou vida que não cessa quando sou a coragem de enfrentar as artimanhas do destino, as emboscadas dos dias.

Sou definitivamente a verdade do riso, o avesso do pranto, quando sou a fé que voltou, nos cabelos de um anjo, como pingos de sol, como gotas das chuvas. Sou vida, sou infinito, quando miro os céus que me cobrem de bênçãos, de coragem, que acenam que o amanhã sempre será o renascer de uma nova vida. Por enquanto sou saudade que não finda.

(Noélio A. de Mello)



Navegando na internet, me deparei com essa belíssima crônica de um jornalista do Pará. Não o conhecia, nunca tinha escutado falar dele, infelizmente.
Ele escreve coisas lindas e profundas - essa crônica é apenas uma das belíssimas que ele escreveu. Li duas e me encantei com seu modo tão belo e poético de escrever. Virei fã. Essa, em particular, me revela em boa parte. A verdade é essa mesmo: vivemos entre a linha do sorrir e do chorar, pendendo para lá e para cá.

Espero que apreciem a crônica, que se emocionem e, claro, se identifiquem.



Postado por Erica Ferro

2 comentários:

Ana Seerig disse...

'Sou farsa quando tento enganar o coração. Sou luz ardente quando confesso a alma.'

Belíssima crônica. Descreve perfeitamente a vida humana!

Jééh disse...

é realmente mutio bom esse texto, descreve perfeitamente o que é viver e me lembra uma frase que eu lir em algum lugar e que estou no rodapé dos meus e-mails 'ninguém disse que a vida é facíl, só disse que ela vale a pena

e mais uma vez podemos ver que o brasíl estar repleto de gnt que tem muito talento ^^ adorei *-*

 
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